top of page

A Representação do Psicólogo no Imaginário Social: De quem para quem?

Foto do escritor: ligapsisocial9ligapsisocial9




A representação social é quase uma versão contemporânea do que costumávamos chamar de “senso comum”. O termo é trazido por Moscovici (1981), como um conjunto de conceitos, explicações e afirmações que se originam na vida diária. É um processo de “familiarização", onde os objetos e eventos são reconhecidos a partir de encontros anteriores.

Para compreender o que as pessoas imaginam sobre os psicólogos, é indispensável pensar em como se constrói a formação desses profissionais no Brasil. Parte do imaginário popular, tem a psicologia subentendida apenas como um “braço” inferior da medicina e psiquiatria, ou “perna” da psicanálise, e não como uma área de atuação própria. Não devemos descartar também, os dados

socioeconômicos dos profissionais formados e os dados socioeconômicos da população nacional, que, sutilmente revelam desigualdades que possibilitam um “lugar de saber” que não se encontra com as demandas de toda a sociedade, mas geralmente de classes específicas dela.

Alguns dados do censo do CPF de 2022, chamam atenção para esta discussão. 79,2% das profissionais são mulheres, 64% são brancos, 72% se graduaram em instituições privadas de ensino e 83,8% são heterossexuais. O fato de mulheres estarem à frente majoritariamente das profissões de “cuidado” não conflita com o imaginário social do que é a psicologia, nem com a percepção de 69,3% dos profissionais sobre a profissão ser mal remunerada, afinal, um trabalho de “cuidado” é um trabalho de mulheres, e não remuneramos as mulheres como remuneramos homens em nossa sociedade. Tendo em vista que vulnerabilidades de classe, raça e orientação sexual, são grandes fatores de adoecimento psíquico, e que a população que mais necessita é também a que menos tem acesso, como é possível fazer uma análise apropriada da representação social do psicólogo, que desconsidera que a maioria da população e do público com grandes necessidades de atendimento, só vê a psicologia de um lugar distante? Isso justificaria o fato das pesquisas mais acessíveis sobre a representação do psicólogo encontradas serem com pessoas já ingressantes na graduação de psicologia, como a de Leme, Bussab e Otta (1989) e Praça e Novaes (2004). O problema na análise desses estudos (com ingressantes do curso) ao falarmos de representação social, é que o processo de familiarização fica comprometido, ao momento em que: a aproximação científica do assunto, torna o familiar “não familiar” (MOSCOVICI, 1981).

O estudo de Leme, Bussab e Otta (1989) coletou respostas de ingressantes no curso de

psicologia entre 1976 e 1984, com a pergunta "Qual é, a seu ver, a imagem que o público leigo tem do psicólogo?", As respostas foram categorizadas por presença ou ausência de informações sobre a profissão, dimensão valorativa e campo de representação ou imagem.

A nível de informação da atuação, o destaque nas respostas é para "Sinônimo de pedagogo", "É aquele que trabalha em departamento de pessoal de alguma indústria" e "É um aplicador de testes".

Sobre a dimensão valorativa, não houve muita neutralidade, tendendo a maior parte das respostas (73%) para uma valoração negativa, com crescimento ao longo dos anos.

E no campo de representação e imagem, as familiarizações se dão à outras profissões:

psiquiatria, psicanálise, pedagogia e intelectual. Aos guias espirituais: padres, magos, bruxos e pai-de-santo. E aos confidentes: amigo, pai, conselheiro, babá.

As representações menos negativas se encontram em frases que colocam o psicólogo como auxiliador para alguns problemas através do diálogo e afeto, como “amigo pago”, “Resolvedor de problemas dos loucos"; "Uma pessoa que só de olhar ou conversar já sabe de seus problemas, pontos fracos e fortes e como ajudar", enquanto as negativas merecem nosso olhar estendido e também autocrítico.

O profissional é visto como elitista, invasor, incompetente ou de saber menor, indeciso, sádico e preguiçoso. Tais características se revelam nas frases: "Um profissional do blá, blá blá e, ainda por cima, atuando apenas com a elite"; "Alguém não tão necessário à sociedade, um capricho e privilégio de umas poucas pessoas"; "Uma frescura usada só por gente rica"; "Um charlatão, sem função eficaz para a sociedade"; "Radicalmente falando, um charlatão que cobra caro pelo que aprendeu numa faculdade 'fácil'; "Abelhudo"; "É aquele intrometido que adora fazer perguntas"; "A maioria tem um grande preconceito, 'eu não sou louco', não preciso contato com psicólogo"; "O psicólogo é alguém que se intromete na sua vida e tenta moldá-lo"; "O psicólogo vai criar em cima do paciente uma relação de dependência"; "Ir a um psicólogo é sinal de fraqueza"; "Pessoa essencialmente fria, desumana, voltada aos problemas numa relação sádica, sem campo de ação definido..."; "Pessoa que fez psicologia porque não sabia o que fazer".

Essas percepções de conotação negativa nos acendem um forte sinal de que há de fato um distanciamento entre o objetivo da profissão e como ele é percebido. Ainda que possamos aplicar muitas das críticas a outras profissões da saúde, elas não são percebidas pela população geral com essa conotação. Podemos dizer que a população geral não valoriza o psicólogo por não compreender as dimensões da saúde mental, mas isso não seria de qualquer forma, uma falha da própria psicologia e de seus profissionais? Podemos questionar o elitismo da medicina, mas até pessoas mais carentes de recursos podem já ter experienciado comorbidades curadas ou tratadas, e ainda ter tido contato com dispositivos e órgãos médicos mais básicos como postos de vacinação.

Os estudos de Praça e Novaes (2004), indicam urgência na reflexão sobre a responsabilidade social e ética do psicólogo ao analisar a representação social dos profissionais da área, apontando uma visão altamente subjetivista e individualista, em que as condições sociais, históricas e culturais são excluídas.


A herança positivista da profissão no Brasil ainda tem foco nas demandas do regime

disciplinar, com objetivo de ajustar, adaptar. Selecionar o estudante para a turma adequada, treinar o operário, programar a aprendizagem, etc. Quando Praça e Novaes (2004) citam Bock (2000), trazem a luz que a função social está diminuída neste campo de atuação já a partir do momento em que a concepção do termo “social”, tenta ser referência apenas à “existência de outros homens” e não de si mesmo. Entendido dessa forma, o profissional estaria comprometido com a adaptação social, com a legitimação de formas instituídas, hegemônicas de ser em nossa sociedade, e não com uma perspectiva crítica voltada para a produção de novas formas de ser e se relacionar.

Os estudos de Leme, Bussab e Otta (1989) diferem dos estudos de Praça e Novaes (2004).

Enquanto o primeiro traz a representação social do psicólogo pelo público geral através dos ingressantes no curso, o segundo traz essa representação direta dos ingressantes e por eles mesmos.

Desta forma, a valorização positiva tem um viés maior neste segundo estudo. Mas os autores se atentam à Bock (2000) quando ela diz que “a onipotência se traveste de humildade”.

A afirmação de Bock fica mais explícita se analisarmos a primeira categoria do estudo, a

“caracterização da psicologia”, que revela uma função assistencialista, que dá ajuda incondicional ao outro. “ a Psicologia ajuda nos problemas”, “...resolve e compreende os problemas...”, “cuida das pessoas”, “ajuda no autoconhecimento”, “ajuda a lidar com a vida”, “ajuda em uma nova visão de mundo”.

Na segunda categoria do estudo temos o “objeto de estudo”, sendo afirmado majoritariamente como “comportamento”, “mente” e “subjetividade”. Mas também com objetos menos expressivos como inconsciente e alma. Curiosamente, inconsciente está representado como objeto por 10% dos estudantes de psicologia, mas “consciência” não possui declaração.

A terceira categoria é o “objetivo profissional” e se destacam o tratamento das doenças

nervosas, ajudar pessoas, promover saúde, qualidade de vida, curar comportamento e mudar. Na categoria de “instrumentos do psicólogo”, aparecem: ouvir (89,3%), entrevistas (87,2%), testes (87,2%) e dinâmica de grupo (84,5%). Em um índice menor mas representativo, aparece a subcategoria terapia de vidas passadas (33,3%) como instrumento do psicólogo.

Quanto às características do psicólogo, são trazidas: observador (85,6%), equilibrado (46,9%) e confiável (43,2%). Contudo, apenas 18,2 % dos estudantes da saúde de outros cursos atribuem ao psicólogo a categoria “cientista”, mas na categoria “credibilidade” a representação do psicólogo é altamente positiva (87,2%), tanto nos estudantes de Psicologia (92%) como nos estudantes dos outros cursos (86,4%). Apenas (6%) de estudantes de Psicologia não buscariam serviços psicológicos se sentissem necessidade. E como última categoria, a ”imagem da Psicologia e do psicólogo”, nela surge a uma Psicologia como profissão da área da saúde, com uma incidência de respostas bem maior nos estudantes de Psicologia (96%) do que nos de outros cursos (56,9%).

Esse segundo estudo, percebendo como a psicologia fala de si mesma, com uma valoração que não condiz com a do resto da sociedade, afirma:


“Essa representação da Psicologia vincula-se, historicamente, ao pensamento

liberal, onde o homem é pensado como ser livre e autônomo, e as experiências

subjetivas são vistas de forma individualizante, excluindo as condições sociais,

históricas e culturais presentes nessas experiências. Surge, então, nesse cenário, um

terreno fértil para uma psicologização da vida quotidiana e um pensamento acrítico

em relação ao contexto histórico-social.” Leme, Bussab e Otta (1989).


Não à toa, Bock baliza o estudo de Leme, Bussab e Otta. Em 2007, compilando um projeto de compromisso social de Silvia Lane com a Psicologia, Bock publica resgatando o processo de reconhecimento científico da psicologia, e isso se torna relevante para a discussão da representação do psicólogo a partir do momento em que tentamos separar a psicologia em, ou uma ciência experimental, biológica, objetiva, ou em uma ciência sociológica, subjetiva, dialética. Desvincular o indivíduo de seu contexto faz com que não seja possível compreender a materialidade histórica que forma o homem social. Não se pode dividir a psicologia social em ciência aplicada e pura" (Lane, 1986, apud Sawaia, 2002). Parte do “descrédito” da população geral e também parte da tentativa de credibilizar a psicologia pelos profissionais da área, se devem ao mesmo fato, de a psicologia não ser uma ciência da saúde como a medicina. Ela precisa da historicidade dos fenômenos, da interpretação subjetiva, precisa que a realidade seja critério para análise da importância e fidedignidade de dados que as pesquisas produzem e não o contrário.

A psicologia precisa se “familiarizar”, buscar ancoragens e objetivações, se trazer do mundo reificado para o mundo consensual, ou a representação social do psicólogo estará sempre em recortes que se contradizem ou que sequer são escutados.


REFERÊNCIAS


CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA . Quem faz a psicologia brasileira? : um olhar sobre o

presente. Conselho Federal de Psicologia. 1. ed. Brasília : CFP, 2O22.


LEME, M. A. V. DA S.; BUSSAB, V. S. R.; OTTA, E.. A representação social da Psicologia e do

psicólogo. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 9, n. 1, p. 29–35, 1989.


PRAÇA, K. B. D.; NOVAES, H. G. V.. A representação social do trabalho do psicólogo. Psicologia:

Ciência e Profissão, v. 24, n. 2, p. 32–47, jun. 2004.


BOCK, A. M. B. et al.. Sílvia Lane e o projeto do "Compromisso Social da Psicologia". Psicologia &

Sociedade, v. 19, n. spe2, p. 46–56, 2007.


Artigo: Dan Brosko Mendes

Publicado: Fanie Amaral

Revisão: Daniela Ramela Gama

Imagem: Internet


102 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


© 2023 por O Artefato. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Spotify - Black Circle
  • Instagram - Black Circle
bottom of page