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HIGIENISMO, PRÁTICAS BRUTAIS E SEUS DESDOBRAMENTOS SOCIAIS.

Foto do escritor: ligapsisocial9ligapsisocial9

CONHECENDO O PASSADO PARA COMPREENDER O PRESENTE


Ao final do século XIX, o mundo estava passando por grandes transformações como: o desenvolvimento tecnológico, econômico, das ciências naturais e exatas. Neste mesmo período, o Brasil entrava em um período Institucional, marcado pela abolição da escravidão, consolidação do capitalismo, desenvolvimento econômico (agrário e comercial-exportador), correntes imigratórias, processo de industrialização e o aumento do nacionalismo. Estes fatores trouxeram uma maior desorganização a estrutura social, já fragilizada, do Brasil.


Em meio a estas transformações da sociedade brasileira, aumentava a degradação das cidades e da condição de vida da classe trabalhadora. Não havia higiene e saneamento nas cidades, existia uma propagação de cortiços e favelas, aumento da população em situação de rua, surtos epidêmicos, doenças infecciosas e prostituição.


Sob este contexto, iniciou-se o desenvolvimento da psicologia médica, pertencentes ao domínio da medicina, onde deixava de ser visto como uma doutrina religiosa e moral e passava a ser vista como higiênica, tendo como prática a adequação do indivíduo ao sistema. Então, a utilização da psicologia médica destinou-se ao controle de indivíduos e populações.


Antunes (1998), aborda que essas condições sociais de “sujeiras” e "imundícies", tanto materiais como morais, tornam-se questões preocupantes aos médicos da época, por este motivo a medicina social no Brasil buscou uma normatização da sociedade, através de um projeto profilático.


Este projeto, consistia em organizar a sociedade e deixá-la livre da desordem e dos desvios de conduta. Portanto, a sua atenção voltou-se aos hospitais, cemitérios, quartéis, prisões, fábricas, bordéis e escolas, na intenção de higienizá-las.


Nas escolas, a higienização se dava através do controle comportamental, eliminando a desobediência e a prática da masturbação, vista como algo que causava loucura, hipocondria, tísica, epilepsia, flegmasia crônica e até mesmo a morte. Para tal conduta adotava-se medidas preventivas como a prática de exercícios físicos.


Em meados do século XIX, não havia nenhuma medida específica de assistência aos doentes mentais, muitas vezes eles ficavam perambulando nas cidades, encarcerados em prisões ou ainda reclusos em celas especiais nas Santas Casas de Misericórdia. Então, através destas medidas, ditas profiláticas, criou-se hospícios para internação dos “loucos”, buscando a limpeza dos espaços urbanos.


Através desse isolamento social dos “loucos”, nasce a psiquiatria como meio de prevenção. A psiquiatria brasileira, propunha uma cura para a “loucura”, através da preocupação de natureza comportamental, onde o tratamento e as intervenções eram no âmbito moral.


Em 1923 ocorreu um movimento de higiene social denominado de I Congresso Brasileiro de Higiene. Este movimento foi promovido em nome da ordem, a favor do coletivo e contra a anarquia, ideais igualitários, decadência urbana e depravação. Defendia como práticas, hábitos sadios fundamentados na Eugenia e que combatessem a promiscuidade. A Eugenia baseava seus conceitos na existência de raças inferior e superior. Combatia a miscigenação das raças, que segundo eles, seria a causa da geração de seres inferiores e incapazes, com baixa categoria física, psíquica e intelectual. Seus preceitos continham alto teor moral e racista.


Os ideais Eugenistas, nortearam as práticas de higiene no Brasil de maneira intensa até meados dos anos 40 e de tal forma que foram incluídas na Constituição de 1934, adentrando, portanto, todas as esferas da vida cotidiana brasileira.


Suas práticas visavam constituir um cidadão brasileiro mentalmente sadio, mas para tal, este deveria ser branco, puritano, chauvinista, xenófobo, racista e antiliberal. Os psiquiatras acreditam na época que o Brasil, se degradava por conta da miscigenação das raças, ociosidade e vícios, como por exemplo o “alcoolismo”. O alcoolismo, por ser encontrado nas camadas mais pobres da sociedade, tornou-se a causa da pobreza e declínio moral. Um indivíduo alcoólatra não era considerado produtivo, não gerava riquezas através da sua mão de obra e acabava marginalizado, muitas vezes preso ou levado ao manicômio.


Nas escolas, por exemplo, foram adotadas práticas que combatiam patologias, vícios e pobreza, além de verificarem a capacidade mental do aluno. A escola tornou-se um grande berço das práticas de higienização social, construindo alunos dóceis, respeitadores das leis, conscientes dos seus deveres e voltados a construção de uma sociedade equilibrada e mentalmente sadia. Caso a criança de 2 a 6 anos não se adequasse, demonstrava que a tarefa da escola e dos seus pais havia sido falha em sua formação, o que resultava no seu encaminhamento para a “Clínica de Euphrenia”. As que apresentassem pequenos desvios de personalidade seriam trabalhadas para correção, evitando assim um futuro indivíduo dispendioso na sociedade.


A mulher também foi alvo da higiene mental, o grande apelo utilizado era que toda mulher deveria adotar as práticas higienista e eugenistas, sendo patriótica na conduta da criação dos filhos e tendo o dever de criar um indivíduo robusto e inteligente.


Outra preocupação dos higienistas era com as causas dos desajustes sociais que levavam aos crimes. Através de exames e da observação da personalidade dos criminosos, os delinquentes eram tratados por meio de uma “terapia regeneradora”, individualizada, voltada ao trabalho e a terapia ocupacional.


Havia também uma preocupação com a “qualidade” de imigrantes que entravam no país, sendo proposto uma seleção mental para essas pessoas. Tal preocupação ganhou força através do médico Xavier de Oliveira, que solidificava os seus argumentos baseados nos 15 anos de trabalho quando era auxiliar do prof. Henrique Roxo na clínica de psiquiatria. Para que ele pudesse ter cada vez mais a adesão das pessoas, ele fazia levantamentos estatísticos no Hospital do Juqueri, para demonstrar o percentual de imigrantes com transtornos mentais internados, alertando sobre a quantidade de gente inútil que entrava no país trazendo consigo alto custo para a nação.


Esses pensamentos fortaleceram a prática discriminatória contra as pessoas pretas, “mestiços”, orientais e imigrantes, vistos como desajustados sociais e fortes candidatos a ocuparem os presídios e hospícios. Sobre todo esse contexto, a ideologia de branqueamento racial ganhou grande força. Havia uma construção de pensamento que se voltava à depuração das raças.


Infelizmente, os acontecimentos históricos não ficaram somente no passado, atualmente ainda é possível observá-los mesmo que de forma velada na sociedade brasileira. Na verdade, recentes e lamentáveis episódios sugerem que não só nunca deixou de existir no Brasil, como também, se intensificou.



RETRATOS ATUAIS DA HIGIENIZAÇÃO NO BRASIL


Diariamente são noticiados nos meios de comunicação retratos da higienização social e eugenia na população.


Maciel (2021), abordou que em meio a pandemia, famílias que estavam instaladas há anos em moradias precárias, mas em um terreno com interesse especialmente lucrativo, foram despejadas sem nenhum amparo social pelo estado. Neste local ocupado, há um projeto para construção de moradias de alto padrão. Tal projeto incentiva a segregação econômica, social e geográfica, ainda mais evidenciada pela localização do terreno, que fica bem no centro da cidade. O jornalista enfatizou em sua reportagem que expulsaram os pobres do centro na intenção de regularizar as invasões dos ricos, “essas pessoas que foram expulsas não terão onde dormir”. A triste realidade que essa notícia nos trás é que as práticas higienistas e eugenistas adotadas no fim do século XIX e começo do século XX ainda existem, dentre elas o costume de limpar as “sujeiras e "imundícies" para “normatizar” aquele terreno com pessoas moralmente aceitáveis.


Outro exemplo dessa promoção da desigualdade é mencionado por Ling (2021), o jornalista relata em sua reportagem que a questão de zoneamento urbano possui características latentes que excluem a população pobre dos centros urbanos e o grande investimento nas áreas privilegiadas.


Espantosamente, existe um conceito que visa afastar e limitar as pessoas das cidades e que ganhou grande força em 1990, trata-se da Arquitetura Hostil. Tal prática utiliza elementos de design para afastar indivíduos indesejáveis de locais públicos. Ela também é conhecida como arquitetura anti-mendigo e pode-se apresentar de diversas formas nas cidades, utiliza tipos de material que podem causar constrangimento, como objetos pontiagudos e duros.


Essa prática foi adotada também por agências bancárias, como por exemplo, em uma agência bancária localizada na Avenida Cidade Jardim, conforme demonstrado por Costa (2021), foram instaladas pedras embaixo da marquise da agência, o que constitui em uma arquitetura extremamente agressiva contra os moradores em situação de rua.


Mais uma questão que evidencia as práticas higienistas e eugenistas recentes se referem a população LGBTQIAPN+, em especial, aos Travestis e Transexuais. Em reportagem, Garcia (2021), demonstra o grande preconceito e exclusão que essas pessoas sofrem. Cerca de 90% das mulheres trans e travestis não possuem emprego formal e acabam recorrendo a prostituição como fonte de subsistência. Tais dados evidenciam a vergonhosa realidade brasileira de exclusão, punição e marginalização. Observa-se como as questões de moralidade e higienização do século XIX trouxeram lastros de obscuridade na sociedade atual.


A eugenia na atualidade mostra a sua severidade principalmente nas periferias dos grandes centros. Na reportagem de Borges (2017), fica evidente a grande desumanização dos corpos negros e moradores dos extremos das cidades. O racismo instituído causa um genocídio a essa população. As ações policiais contra os negros são carregadas de violência e estereótipos de pessoas marginais. Ainda na reportagem, o advogado da Defensoria Pública, Vinicius Silva, considera que grande parte da sociedade julga que as pessoas negras são vistas como uma grande fábrica de produção de bandidos.


Por tudo isso, percebe-se, que as práticas adotadas nos séculos XIX e XX são muito presentes ainda em nossa sociedade, excluindo pessoas pretas, pobres, população LGBTQIAPN+, prostitutas, pessoas com dependência química, os imigrantes selecionados como “indesejáveis”, moradores em situação de rua, pessoas com deficiência, mulheres e crianças. Essa grande obscuridade constituída pela higiene social e a eugenia ganharam raízes profundas, normatizando práticas brutais de exclusão e de condicionamento a miséria.


REFERÊNCIAS:


ANTUNES, M. A. M. A Psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição. 4. ed, São Paulo: Unimarco Editora, 1998.


BORGES, Pedro. ‘Por um país mais branco”, a eugenia sempre deu as caras no Brasil. Yahoo! Notícias, 21 set. 2017. Disponível em: https://br.noticias.yahoo.com/po-um-pais-mais-branco-eugenia-sempre-deu-caras-no-brasil-155850465.html. Acesso em: 25 abr. 2021.


COSTA, César. Pedras contra moradores de rua são instaladas em frente ‘a agência bancária. Veja São Paulo, São Paulo, 16 fev. 2021. Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/cidades/arquiteta-critica-pedras-agencia-banco/. Acesso: 25 abr. 2021.


COSTA, J. F. Ordem Médica e Norma Familiar. 4. ed., Rio de Janeiro: Edições Graal, 1999.


GARCIA, Gabryella. ‘Prosa’ discute inclusão de travestis e transexuais no mercado de trabalho. Hypeness, 01 abr. 2021. Disponível em: http://hypeness.com.br/2021/04/prosa-discute-inclusao-de-travestis-e-transexuais-no-mercado-de-trabalho/. Acesso: 25 abr. 2021.


LING, Anthony. A Promoção da (des)igualdade pelo planejamento urbano. Veja São Paulo, São Paulo, 05 fev. 2021. Disponível em: http://vejasp.abril.com.br/cidades/planejamento-urbano-desigualdade-social/. Acesso em: 25 abr. 2021.


MACIEL, Max. Despejo na pandemia mostra que Brasília tem desprezo aos pobres em seu DNA. Brasil de Fato, Brasília, 08 abr. 2021. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/2021/04/08/artigo-despejp-na-pandemia-mostra-que-brasilia-tem-desprezo-aos-pobres-em-seu-dna. Acesso em: 25 abr. 2021.


MANSANERA, A. R.; SILVA, L. C. A influência das idéias higienistas no desenvolvimento da psicologia no Brasil. Psicologia em Estudo. Maringá, v. 5, n. 1, p.115-137, mar. 2000. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722000000100008. Acesso em: 20 abr. 2021.


MASSIMI, M. História da Psicologia Brasileira: da época colonial até 1934. São Paulo: E.P.U., 1990.


MOTA, André; MARINHO, Gabriela S. M. C. (eds). Saúde e História de Migrantes e Imigrantes: Direitos, Instituições e Circularidades. São Paulo: CD.G Casa de Soluções e Editora, 2014. Disponível em: http://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/32182. Acesso em: 25 abr. 2021.


NOGUEIRA, Evelyn. Arquitetura hostil: a forma de afastar e limitar as pessoas na cidade. Casa e Jardim, 22 fev. 2021. Disponível em: https://revistacasaejardim.globo.com/Casa-e-Jardim/Arquitetura/noticia/2021/02/arquitetura-hostil-forma-de-afastar-e-limitar-pessoas-na-cidade.html. Acesso em: 25 abr. 2021.











Artigo: Daniela Gama

Publicado: Andréa Crispim

Revisão: Murilo Cerqueira Rodriges

Imagem: internet


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