![](https://static.wixstatic.com/media/8a172a_df230c7afaf0453c9416fa147a39ee35~mv2.png/v1/fill/w_700,h_394,al_c,q_85,enc_auto/8a172a_df230c7afaf0453c9416fa147a39ee35~mv2.png)
No presente artigo, será traçado um paralelo biológico, psicológico e histórico-social sobre o amor materno. Tem por objetivo elucidar de onde vem o conceito de amor materno que se conhece nos dias de hoje, e propor a reflexão: Por que a ideia deste amor é tida como natural e irrefutável?
Para começar, biologicamente precisa ser entendido o que é o amor e o que ocorre quando uma mulher está se preparando para ser mãe (seja gestando ou adotando). Quando estamos amando, diversas partes do cérebro são acionadas, como o hipocampo, o hipotálamo e o córtex cingulado anterior, sendo os responsáveis por fazerem com que os humanos saiam da defensiva, diminuam a ansiedade e aumentem a confiança em seu parceiro. No quesito hormonal, temos a liberação da ocitocina e vasopressina, que são produzidos pelo hipotálamo e liberados pela glândula pituitária (Brewer, 2016).
Existe uma semelhança notável entre o amor romântico e o maternal, com ambos ativando as mesmas áreas cerebrais. No entanto, quando se trata do amor maternal, ocorre uma sobreposição das atividades cerebrais em relação ao amor romântico. Além disso, na fase maternal, observamos uma ativação mais intensa das áreas associadas à liberação de altas concentrações de ocitocina e vasopressina, e ao mesmo tempo, algumas regiões relacionadas aos julgamentos e emoções negativas são suprimidas. O motivo para que tudo isso ocorra com o corpo humano é completamente evolutivo. A natureza necessita que o organismo esteja biologicamente apto tanto para reproduzir quanto para cuidar da prole que nasce indefesa (Brewer, 2016).
Partindo desse pressuposto, pode-se começar a questionar de onde vem esse sentimento de amor materno incondicional, que é tão amplamente divulgado e ostentado dentro da sociedade atual, pois se o sentimento de proteção que se sente para com os bebês é só uma questão evolutiva e biológica, o que acontece quando os bebês crescem?
O jeito como a sociedade encara a maternidade muda com base nos acontecimentos sócio-históricos, o relacionamento mãe-criança é alterado diversas vezes ao longo do tempo (Garcia, 2021). O livro “Um amor conquistado: O mito do amor materno” de Elizabeth Badinter (1980), diz que em 1780 a polícia constatou que de 21 mil crianças que nasceram em Paris, apenas mil foram amamentadas pelas mães e outras mil, que tinham uma condição social melhor, eram amamentadas pelas amas de leite. Incontáveis crianças morriam sem ter conhecido o olhar da mãe e eram mandadas para longe, voltando para casa anos após o nascimento. Voltando mais para trás, podemos observar que a religião e política começaram a interferir na situação após a Pandemia da Peste Negra (1346-1353), onde milhares de Europeus morreram. A Igreja começou a condenar mais incisivamente o aborto e oprimir as mulheres para que tivessem filhos, a fim de repovoar a Europa (Zahluth et al 2019). Até o século XVIII, a constituição da família era equiparada a um contrato, sendo mulher e filhos submissos ao pai, portanto os laços de afeto eram dispensáveis nesse contexto. A partir do século XVIII com a ascensão da burguesia, o modelo econômico mudou e a sobrevivência infantil era indispensável, havendo uma estimulação do amor materno como um valor natural e social, do qual compelia a mulher a cuidar de suas
proles(Garcia, 2021). No início do século XIX, já existia uma nova constituição familiar em
que o bebê se torna objeto exclusivo da atenção da mulher, “A devoção e presença
vigilantes da mãe surgem como valores essenciais, sem os quais os cuidados necessários à preservação da criança não poderiam mais se dar” (Moura, 2019 apud Garcia, 2021).
Conforme as responsabilidades maternas iam aumentando, a valorização da devoção e do sacrifício das mulheres em prol da família não só aumentaram, como foram defendidos por médicos e filósofos como função inerente da mulher (Garcia,2021).
Essas ideias difundidas sobre a maternidade perduram até os dias de hoje, existindo uma pressão social de que uma mulher só se sentirá realizada quando for mãe, inclusive há um sentimento de culpa e julgamento para quem não se encaixa nesse contexto. A maioria esmagadora das mulheres, são condicionadas desde crianças a se tornarem mães sejam com brincadeiras, brinquedos ou forma com que são passados os ensinamentos familiares geracionais. O que pode gerar uma grande frustração por parte de mulheres que passaram a vida criando expectativas sobre a maternidade e quando chega o momento, se sentem culpadas por não amarem imediatamente seus filhos ou não amarem o maternar. É preciso dizer que arrependimento não significa violência ou abandono, em uma reportagem para o UOL de 2021, a repórter Marielle Souza coloca desta forma: “Essas mulheres amam seus filhos, cuidam e são responsáveis por eles, mas sofrem - quase sempre em silêncio - por desejarem nunca terem sido mães”.
Na mesma via, também existem mães que não conseguem amar seus filhos, o que
pode ou não, estar relacionado ao Transtorno de Personalidade Narcisista. Em outra
reportagem para a Hypeness, escrita por Mari Dutra em 2016, conta um relato em que uma médica presenciou o dilema de sua paciente: “A Laura faz de tudo pela filha. Até que ela desaba: “A única coisa que eu queria, mas não consigo, é amar a minha filha“ ”.
Desta forma, faz-se necessário compreender que existem mulheres que amam seus
filhos em demasia, mas a concepção que se tem sobre maternidade, essa imposição sobre as mulheres, é algo construído ao longo dos anos e está sujeito a modificações de acordo com os interesses sociais e econômicos, que frequentemente são decididos por outrem.
Concluindo, as mulheres têm o direito de conhecer sua autonomia, escolhendo se desejam ou se estão preparadas para serem mães, devem desconstruir a ideia utópica de felicidade que advém com a maternidade. É importante considerar que trazer uma vida ao mundo ou adotar uma criança requer uma série de sacrifícios e estabilidades, a fim de evitar que as dificuldades afetem negativamente tanto as mães quanto aos seus filhos, de forma permanente.
REFERÊNCIAS
BADINTER, Elizabeth. Um Amor Conquistado: o Mito do Amor Materno. [S. l.]: NOVA
FRONTEIRA, 1980. 268 p. Disponível em: http://groups.google.com/group/Viciados_em_Livros. Acesso em: 6 set. 2023.
BREWER, Gayle. O que é o amor? Eis o que diz a ciência. El País, Site, 17 jul. 2016.
Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/14/ciencia/1468517563_508117.html.
Acesso em: 6 set. 2023
DUTRA, Mari. Médica publica texto poderoso que lembra por que uma mãe que não ama seu filho não é “desnaturada”. Hypeness, Site, p. s/n, 4 out. 2016. Disponível em:
https://www.hypeness.com.br/2016/10/medica-publica-texto-poderoso-que-
lembra-por-que-uma-mae-que-nao-ama-seu-filho-nao-e-desnaturada/. Acesso em: 6 set. 2023.
GARCIA, Emily. O mito do “amor materno”: como surgiu e como superá-lo. Outras
Palavras, Site, p. s/n, 25 fev. 2021. Disponível em: https://outraspalavras.net/
feminismos/mito-do-amor-materno-como-surgiu-e-como-supera-lo/. Acesso em: 6 set. 2023..
SOUZA, Marcelle. Mães Arrependidas: Elas amam seus filhos, mas odeiam tudo o que vem com a maternidade -- e, se pudessem, voltariam atrás. UOL, Site, p. s/n, ago. 2021.
Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/reportagens-especiais/maes-arrependidas/. Acesso em: 6 set. 2023.
ZAHLUTH, Carolina Messeder; LIMA, Maria Lúcia Chaves; DIAS, Bárbara Lou da Costa
Veloso. Caça às bruxas: a criminalização do aborto e as implicações para as mulheres na
atualidade. Revista Periódicus, Site, p. 297-316, 18 dez. 2018. DOI https://doi.org/10.9771/peri.v1i10.27882. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/
index.php/revistaperiodicus/article/view/27882. Acesso em: 6 set. 2023.
![](https://static.wixstatic.com/media/8a172a_8ab61f220faa4faebec2c975f0e41020~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_1304,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_auto/8a172a_8ab61f220faa4faebec2c975f0e41020~mv2.jpg)
Artigo: Edgard Varis
Publicado: Fanie Amaral
Revisão: Daniela Ramela Gama
Imagem: Internet
Comments