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Somos um país negro! De acordo com o Censo Demográfico 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra corresponde a 55,5%, sendo que 45,3% dos brasileiros se auto declaram como pardos e 10,2% como pretos (IBGE, 2022).
O racismo é um sintoma coletivo oriundo da herança escravocrata das origens do Brasil e cujos efeitos não estão somente no passado, mas são vivenciados cotidianamente pela maioria da população, uma vez que faz parte da estrutura da nossa sociedade (Vannuchi, 2017). Segundo Almeida (2019), o racismo estrutural tem como origem um processo histórico que impõe condições de desvantagens e de privilégios a determinados grupos étnico-raciais, fazendo com que o racismo fique enraizado na sociedade e seja reproduzido em diferentes esferas, tais como a política, a econômica, a cultural e nas relações cotidianas.
Conforme afirma Pereira e Magalhães (2023), além de estrutural, o racismo no Brasil possui outras características que dificultam a identificação do fenômeno por grande parte da sociedade, tais como a sua manifestação de forma camuflada, desacreditada e com alterações conforme o tempo e o espaço. Os mesmos autores salientam que mesmo com a organização e a luta do Movimento Negro pela equidade racial e criação de políticas públicas, os índices de desigualdades sociais e econômicas ainda são preocupantes, como no caso do encarceramento e da morbimortalidade, ou seja, a população negra ainda permanece sob inúmeros riscos.
Arruda (2021) afirma que atualmente, em uma sociedade racista, capitalista e neoliberal, o racismo estrutural toma por estratégico utilizar-se de pessoas do mesmo grupo étnico-racial para exercer o racismo ou para dizer ao outro que o racismo não existe. Arruda (2021) também afirma que esse é um dos modos de transmitir e impor a ideia de que o problema é social, econômico, ou que não há racismo no país, gerando uma confusão e, até mesmo, um aumento do sofrimento para quem vivencia e sabe o que é o racismo.
Werneck (2005 apud Santos, 2020) traz em seus estudos que o racismo também é um fenômeno ideológico, um importante fator de violação de direitos e de produção de iniquidades, especialmente no campo da saúde, uma vez que a opressão, a agressão e a violência são práticas que afetam a saúde mental da pessoa alvo de tal preconceito. Ainda que a legislação brasileira não faça distinção racial entre a população para acesso aos serviços de atenção à saúde, uma vez que o Sistema Único de Saúde tem como princípio a universalidade, o racismo estrutural historicamente compromete o princípio da equidade.
Em entrevista ao portal Gelédes (2017), a psicóloga e psicanalista Maria Lúcia da Silva afirma que além das desigualdades materiais, o racismo produz marcas psicológicas profundas, provoca traumas, ansiedade, crises de identidade e depressão, ou seja, interfere de modo direto e extremamente prejudicial na saúde psíquica dos sujeitos. O adoecimento da saúde mental da população negra tem como problema primário o racismo estrutural que impacta nos níveis de desenvolvimento psicológico e psicossocial (BARRETO; CECCARELLI, 2018).
Dentre esses agravos decorrentes do racismo para a saúde mental tem-se o suicídio. Dados levantados pelo Ministério da Saúde juntamente com a Universidade de Brasília, apontam que o risco de suicídio entre a população negra é 45% maior em relação à branca (BRASIL, 2018). Segundo o mesmo índice do Ministério da Saúde, jovens negros entre 10 e 29 anos fazem parte do maior número das vítimas de suicídio no país. Quando comparadas as taxas com as de jovens brancos, constata-se que jovens negros entre 10 e 19 anos possuem risco de suicídio 67% maior do que jovens brancos do sexo masculino (BRASIL, 2018).
De acordo com o Ministério da Saúde (2009), o racismo atua com um dos fatores de risco para o suicídio em negros, principalmente jovens, e as principais causas associadas são: a ausência de sentimento de pertença, o sentimento de inferioridade, a rejeição, a negligência, os maus tratos, o abuso, a violência, o sentimento de inadequação, a inadaptação, sentimento de incapacidade, a solidão e isolamento social.
Os aspectos psíquicos ampliam uma dimensão muito complexa, que exige de toda a sociedade e principalmente dos psicólogos um olhar mais humanizado e atento em relação ao preconceito racial sofrido pela população negra na vida cotidiana. Sendo assim, é importante pensar em como o atendimento psicológico deve atuar de modo a levar em consideração toda a complexidade que envolve ser negro num país cujo um dos alicerces é o racismo estrutural. É de extrema importância o entendimento de que esse é, sim, um fator de risco para uma série de doenças mentais.
Além disso, é necessário pensar a prática psicológica como um espaço de escuta para a diversidade, especialmente a racial. Afinal, não é possível realizar um atendimento psicológico de qualidade, seja individual ou em grupo, sem levar em conta o sujeito que está diante de nós. Outro aspecto fundamental é a incorporação das obras de grandes pensadores negros, como Lélia Gonzalez, Neusa Santos Souza, Grada Kilomba e Frantz Fanon, para enriquecer nossa prática.
Por fim, parafraseando a grande filósofa e ativista do movimento negro mundial Angela Davis (2018): em uma sociedade racista, não basta não ser um psicólogo não racista, é necessário ser antirracista!
Referências
ALMEIDA, S. L. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro, Pólen, 2019.
ARRUDA, D. P. Dimensões subjetivas do racismo estrutural. 2021. Revista da ABPN. Volume 13. Número 35.
BARRETO, R.; CECCARELLI, P. R. Considerações psicanalíticas sobre preconceito racial: um estudo de caso. Estud. psicanal., Belo Horizonte , n. 50, p. 145-154, dez. 2018 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372018000200016&lng=pt&nrm=iso>.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016 / Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa e ao Controle Social. Universidade de Brasília, Observatório de Saúde de Populações em Vulnerabilidade – Brasília : Ministério da Saúde, 2018. Diponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/obitos_suicidio_adolescentes_negros_2012_2016.pdf
DAVIS, A. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA . Censo Brasileiro de 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022.
Ministério da Saúde . Portaria MS nº 992, de 13 de maio de 2009 – Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Diário Oficial da União. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt0992_13_05_2009.html
PEREIRA, A. dos S.; MAGALHÃES, L. Os impactos dos racismos nas ocupações da população negra: reflexões para a terapia e a ciência ocupacional . Saúde E Sociedade, 32(2), 2023. Disponível em: https://www.scielo.br/j/sausoc/a/8hQbLKzCx54dBDbcWDx5T3F/?lang=pt#ModalHowcite.
SANTOS, C. M. A questão racial á luz da política de saúde mental brasileira: uma análise dos rebatimentos após golpe de Estado de 2016. 2020.
SILVA, M. L. Como a vivência cotidiana do racismo pode se converter em traumas. Entrevista concedida a Paulo Henrique Pompermaier, Revista Cult, agosto, 2017. Disponível em: https://www.geledes.org.br/como-vivencia-cotidiana-do-racismo-pode-se-converter-em-traumas/?gclid=CjwKCAjwyaWZBhBGEiwACslQo7WKvQyedmpcXqNL1w3gROiAkfZt6bcPexurHPJ1g8U8zJyxfb-lHxoCm88QAvD_BwE.
VANNUCHI, M. B. C. C. A Violência Nossa de Cada Dia: O Racismo à Brasileira. In: KON, N. M.; SILVA, M. L.; ABUD, C. C. O racismo e o negro no Brasil: questões para a Psicanálise. São Paulo: Perspectiva, 2017 (p. 59-70).
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Artigo: Aline Garmes
Publicado: Danyela Silva
Revisão: Edgard Varis
Imagem: Internet
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