Após uma ação social promovida pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro em parceria com a Justiça itinerante do TJ Fluminense, 47 pessoas que ingressaram na justiça, conquistaram o direito de alterar seu nome e gênero no documento, por meio da inclusão do gênero ‘não binarie’ nas certidões de nascimento.
Essa ação ocorreu no início do ano e foi divulgada pelo portal de notícias do G1. Este acontecimento nos leva a algumas reflexões sobre a importância dos estudos de gênero a partir dos movimentos feministas e nas contribuições da Teoria de Judith Butler, importante filósofa norte-americana, percebida como continuadora de Foucault (1973) na obra “História da sexualidade – a vontade de saber”.
A construção sobre os estudos de gênero se fizeram necessárias a partir das diferenças encontradas e postas como normativas, que colocavam o homem em condições privilegiadas e as mulheres em condições subjugadas na sociedade.
Mediante a essas diferenças de tratamento e posições de poder que se faziam a depender do sexo biológico dos sujeitos, movimentos feministas foram surgindo, fazendo uma distinção de sexo (natureza biológica) e gênero (a cultura). Essa distinção foi uma importante ferramenta utilizada para questionar a naturalização das relações sociais, da diferença sexual e das violências que as mulheres sofriam, reforçando a luta pela igualdade.
Entretanto, Butler (2003), propõe pensar nas relações sociais de gênero a partir de um trinômio sexo/ gênero/ desejo, que visa questionar a heterossexualidade compulsória como heteronormatividade, mostrando os perigos do binarismo reiterar essas práticas devido aos desiquilíbrios provocados pelo gênero binário “homem” e “mulher”.
Ao pensar que o sexo masculino e feminino tem variações, como um espectro, o binarismo não faz sentido, mesmo em um sentido biológico. Os seres humanos não deveriam se colocar em caixas, que definem com quem deve-se relacionar e de que forma as pessoas devem se entender (regime binário).
Butler (2003), traz uma reflexão bastante interessante, onde fala sobre heteronormatividade compulsória, que determina o modelo heterossexual como o único correto e saudável. Esse é o mesmo modelo que promove a heteronormatividade homofóbica, baseada nas relações de união heterossexual e reprodução, que enquadram de maneira coercitiva todos aqueles que se comportam fora dessas normas, atribuindo sérias consequências a essas pessoas.
Ao pensar nesses breves contextos históricos e na reportagem divulgada pelo G1 (2022), faz nascer a esperança de que um dia as pessoas terão o direito, de fato, à livre expressão de sua identidade.
A possibilidade de alterar o registro de nascimento abre um importante debate social, que permiti uma visão mais ampla e humana sobre essa questão. Essa desconstrução da heteronormatividade pode trazer uma maior compreensão sobre as relações humanas, legitimando socialmente as relações de homossexualidade, permitindo com isso, talvez, a redução de posturas discriminatórias e de violência.
Outro ponto importante é que a pessoa poderá ter o documento e ser tratado nos espaços como ela realmente se define. Apesar de haver a opção de nome social no documento, esse sempre estava atrelado ao nome de registro, o que muitas vezes, pode causar constrangimento a pessoa ao acessar qualquer serviço, seja público ou privado, a exemplo, ao assumir um cargo em um concurso público, ao se matricular em uma universidade, ao utilizar o serviço de saúde etc.
Mas, com a alteração do nome e inclusão do gênero ‘não binarie’ na certidão de nascimento, todos os outros documentos podem ser alterados, inclusive o passaporte, e isso é um marco no direito à cidadania. É inclusivo, respeitoso e humano!
REFERÊNCIA
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
G1 RIO. Gênero 'não binarie' é incluído em certidões de nascimento no Rio. G1 RIO DE JANEIRO. Rio de Janeiro, 30 jan. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/01/30/genero-nao-binarie-e-incluido-em-certidoes-de-nascimento-no-rio.ghtml. Acesso em: 10 mai. 2022.
HARAWAY, Donna. "Gênero" para um dicionário marxista: a política sexual de uma palavra. Cadernos Pagu [online]. n. 22, p. 201-246, 2004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/a/cVkRgkCBftnpY7qgHmzYCgd/abstract/?lang=pt# DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-83332004000100009>. Acesso em: 07 mai. 2022.
HEILBORN, M.L.; RODRIGUES, C. Gênero: breve história de um conceito. APRENDER - Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação, [S. l.], n. 20, p. 9-21, 2018. Disponível em: https://periodicos2.uesb.br/index.php/aprender/article/view/4547. Acesso em: 12 mai. 2022.
LAGES, V.N.; DUARTE, E. P.; ARARUNA, M. L. “Gambiarras Legais” para o Reconhecimento da Identidade de Gênero? As Normativas sobre Nome Social de Pessoas Trans nas Universidades Públicas Federais. Direito Público, [S. l.], v. 18, n. 97, 2021. Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/direitopublico/article/view/5013. Acesso em: 04 mai. 2022.
Artigo por Daniela Ramela Gama
Commentaires